quarta-feira, novembro 09, 2011

USP - O que a mídia não viu e o debate inteligente que perdemos

O baseado não tem nada a ver com a questão. Começou bem antes disso, na verdade. Se você leu jornais e revistas, deve achar que todos os alunos que querem a PM fora são comunistas, maconheiros, desocupados, filhinhos de papai, etc. Então, peço que leia este texto. Principalmente se acha que o assunto é uma perda de tempo.

Primeiro, eu sou contra a ocupação da reitoria. Segundo, é fato que a lista de coisas erradas parece não ter fim. Fiquei puto porque os radicais conseguiram destruir o debate. Afastaram a imprensa (bateram inclusive), misturaram críticas ao capitalismo, até molotov tinha ontem (suprema idiotice).

Mas a estupidez pra mim termina aí. Não acredite que a maior parte das pessoas lá está protestando a favor do comunismo, leninismo ou qualquer ismo antigo. Não é verdade, embora seja sempre legal divulgar esse símbolo, a reação das pessoas é forte e imediata.

O que está realmente mobilizando a parte pensante do grupo é um debate bem complexo sobre autonomia universitária, que tem raízes históricas (até medievais) e um conceito educacional relevante. Não é à toa que Harvard tem uma polícia universitária. Aliás, são muito eficientes (isso não quer dizer que não tenha assaltos, eu soube de dois casos enquanto estive lá).

De qualquer forma, parece evidente que vale discutir sim. Principalmente porque esta ainda é a principal universidade do País e precisa ser um modelo para o resto (que péssimo trabalho alunos e reitoria tem feito até agora).

E a discussão é a seguinte: a universidade pública se inspira em um modelo em que os alunos podem influenciar a gestão do espaço. Então a briga começou quando este reitor foi escolhido de uma maneira que os alunos consideram arbitrária (existe um protocolo e os alunos consideram que ele não foi seguido). E começaram os embates.

Aí o reitor – se sentindo inseguro – pediu ao governador para colocar a PM lá. Um mês depois do convênio ser assinado, uma aluna foi baleada. Para os alunos, parecia que a segurança não tinha melhorado nada.

A segurança é de fato um tema polêmico, mas é complexo e merecia sim ser discutido. A área da USP é grande demais e mal iluminada, então o contingente necessário para dar segurança teria de ser enorme. E isso não vai acontecer. Por isso, os alunos preferem iluminação e um sistema de vídeo.

Some isso ao fato de que existe um longo histórico de truculência, alunos de todo tipo e perfil já reclamaram contra a PM e existe uma quantidade grande de casos engavetados. Enxergue isso do ponto de vista da autonomia universitária (pesquise o tema, se tiver interesse). O aluno consciente se sente ferido sem receber nada (nem segurança) em troca. Inclusive, a PM já respondeu até a professores que não estão lá para dar segurança ao indivíduo e sim ao patrimônio. Será que não vale mesmo a pena discutir um modelo melhor?

A movimentação dos estudantes foi estúpida porque foi feita da forma errada e no momento errado. Mas o fato é que o debate não tem nada a ver com fumar maconha e sim com um conceito importante e que merecia ser discutido. Pena que nenhum jornalista teve cérebro pra abordar isso em uma matéria. Dá muito mais ibope fazer matéria caricata, mesmo que a consequência seja incentivar o preconceito nos outros. Bom trabalho, imprensa.

segunda-feira, outubro 10, 2011

Um lobo demasiadamente humano

“O sangue do corte em sua cabeça – o primeiro movimento de seu pai – escorre de seu rosto. Seu olho esquerdo está cego, […] mas com o direito pode ver a costura da bota de seu pai se desfazendo.” Na virada do século XVI, o jovem Thomas Cromwell é espancado pelo pai. É pela violência familiar que a escritora britânica Hilary Mantel inicia o romance “Wolf Hall”, uma saga histórica humanizada a partir do ponto de vista de um dos mais intrigantes personagens da Inglaterra. Como pano de fundo, Hilary repass;a o roteiro muitas vezes percorrido da mulher ardilosa (Ana Bolena) que seduz o rei (Henrique VIII) ansioso por um filho homem. A principal consequência histórica seria o rompimento da realeza britânica com a Igreja Católica Romana.
É sob esta ótica pessoal (dela e de um Cromwell humanizado) que a autora constrói esta saga que ainda em 2011 chega às livrarias traduzida pela editora Record. A escritora obteve dois prêmios por Wolf Hall: em 2009 o prestigioso Booker Prize, dado ao romancistas modernos, e, em junho de 2010, o primeiro Walter Scott, criado especificamente para destacar romances históricos. Embora usado por uma infinidade de grandes autores, de Shakespeare a Gore Vidal, o gênero ganhou espaço nos últimos anos nas prateleiras e nas vendas das livrarias, uma tendência somente reforçada pelo prêmio Walter Scott (este também autor de um dos grandes romances históricos da literatura mundial).
No romance, Hilary se concentra na história do arquiteto desta revolução – também política – e de como ele saiu das botas de um pai - bêbado e cruel - ao posto de homem mais ardiloso da história da Inglaterra.
Thomas Cromwell encarna o maquiavélico chanceler que durante oito anos aconselhou Henrique VIII. Após a fuga de casa, Cromwell reaparece em 1527, um período sucessivamente utilizado no teatro (inclusive por Shakespeare), inúmeros filmes e até uma série de TV canadense (Tudors, com locações na Irlanda). Como séculos se passaram e os registros sobre os eventos não são precisos, cada escritor toma as liberdades que julga interessantes para expor seus pontos de vista. No caso de Wolf Hall, além da ideia de um pai violento, Cromwell ainda teria considerado um casamento com Maria Bolena e realizado um improvável encontro com Thomas More quando ambos eram crianças.
Cromwell é homem de origem humilde, tendo sido soldado, mercador, vigarista no tabuleiro fazendo truques com três cartas na mesa.
A alusão do título (Wolf Hall) à frase “o homem é o lobo do homem” poderia indicar um personagem principal cruel e calculista. Cromwell pode bem ser isso, mas Hilary destaca acima de tudo o humano, um contraponto às complexas manipulações contra nobres e religiosos engendradas por seu protagonista.
Quando retorna à casa, ele afaga afetuosamente a cadela de nome Bella, faz da esposa confidente, ouve com atenção os filhos. Assim, Hilary repete o ponto de vista exibido em livro anterior, sobre a Revolução Francesa, onde mostrou um lado mais suave de Robespierre.
Em cada momento, a relação com a família faz o leitor supor que Cromwell tem ainda mais razões psicológicas para cometer crueldades. Além dos maus tratos na infância, ele, cedo demais, perde entes queridos. De um lado, o homem frio fará de tudo para não ser novamente subjugado; de outro, precisa defender os familiares que sobraram.
Mas, se com a família é sinceramente afável, com nobres Cromwell é falsamente submisso, dono de eficaz sarcasmo. Na narrativa, prova que ter um aspecto humano não o torna inábil ou incerto na execução de seus objetivos. “Trabalha todas as horas, primeiro a se levantar, último a ir para a cama”, uma energia coerente com o homem de origem simples. É o típico “man of all trades”. Nas voz da própria Hilary, em um trecho lido em voz alta por ela em um evento realizado no ano passado em uma livraria londrina, Cromwell pode “rascunhar um contrato, treinar um falcão, desenhar um mapa, parar uma briga de rua, decorar uma casa e influenciar o júri”. Claro, a descrição e o ritmo ficam melhores não somente pelo sotaque inglês de Hilary, mas especialmente na língua nativa em que ela combina aliterações entre “stop” e “street” e “fix” e “furnish”. Mais adiante, ela garante que Cromwell sabe a bíblia de cor em latim (“para o caso do abade tropeçar”).
Este manejo da ironia respeitosa, especialmente forte nas frases de Cromwell, fica sempre no limite entre o ataque e o sorriso. A mordacidade contida de Hilary casa perfeitamente com os salões nobres, mas agora em um estilo moderno, similar aos colegas escritores que também foram agraciados com o Booker Prize. Nada da inversão e rodeios típicos do século XVI ou XVII; Hilary é direta e limpa, embora melancolicamente solene e algo oblíqua no sentido da frase. Quando Cromwell afirma que o rei Henrique VIII é na verdade pobre, a cunhada apenas pergunta “E ele sabe disso?”. A observação vem rápida, poucas palavras, não se estende.
Como a história do rei e sua amante coroada é largamente conhecida, Hilary retira Cromwell de diversas cenas cruciais. Muitas vezes, os acontecimentos chegam ao conhecimento do leitor porque um personagem chega para informar o arguto advogado. Assim, a todo momento, estamos sempre ao lado dele, observando suas reações.
A restrição ao ponto de vista de Cromwell não torna Hilary completamente complacente com os personagens humanizados. Não nega que a proximidade com o poder os enriquece. Em determinado momento, ela filosofa que a queda de um corrupto não implica em melhoria. Afinal, cai o “homem já gordo”, e talvez parcialmente satisfeito, enquanto chega um “magro e faminto”.
Mas a principal análise pode ser feita a partir do contraste e conflito entre Thomas Cromwell e Thomas More, inimigos na religião e no poder. More precede a Cromwell como Lorde Chanceler, mas entrou para a História como humanista loquaz e autor de Utopia, livro que propagou a ideia de uma sociedade perfeita e possível. Desprezava a guerra e os militares (mais um contraste com o ex-soldado Cromwell), enquanto sonhava com a paz e a harmonia. Defendia uma reforma na Igreja, mas era fortemente religioso e católico.
Cromwell, por seu lado, que é visto em certo ponto do romance lendo “O Príncipe” de Maquiavel, nunca esquece da origem militar e não tem nenhum escrúpulo em romper com Roma. Importante lembrar que na época, o Papa é um Médici e chegou ao posto graças ao dinheiro obtido pela usura pecaminosa praticada pela família. A venda de indulgências torna a religião apenas mais uma forma de combinação entre poder e exploração (talvez a mais eficaz delas).
Hilary mostra um Cromwell muito íntimo e solidário do Cardeal Wolsey, ex-Lorde Chanceler e a quem serviu como auxiliar. Entretanto, a fidelidade ao Cardeal decorre antes por afeição e gratidão ao aprendizado na arte da manipulação do que por qualquer fervor religioso.
Entre More e Cromwell, se estabelece a oposição entre o utópico e o homem prático. More é nobre, talvez possa se dar ao luxo de ser utópico; Cromwell teve origem simples e é por essência individualista.
Em todo o livro, o ponto de vista de Cromwell o torna vitorioso. Mesmo um leitor temeroso do personagem pode inverter sua preferência ao ser apresentado a um More fervoroso a ponto de queimar luteranos na fogueira, de tratar mal a esposa e dizer obscenidades. Enquanto ganha o respeito do leitor pela inteligência e sagacidade, Cromwell reina sem restrições no âmbito humano, seja no trato da família ou das pessoas a quem trata com respeito. No embate, Hilary parece presumir para o leitor que o verdadeiro lobo do homem era o religioso, idealista e refém da utopia, última e nobre barreira em um mundo em pleno Renascimento.
Hilary não conclui a saga nas 650 páginas de Wolf Hall. No momento, trabalha em uma sequência, ora com nome provisório de “O espelho e a luz”, a qual ela pretende publicar ainda em 2011. Não se sabe se os contrastes se intensificam ou quem será o opositor, porque neste período Thomas More já não é mais vivo. Mas é certo que Hilary deve uma vez mais questionar sobre quem é de fato o lobo do homem. Mesmo que seja um lobo demasiadamente humano.

terça-feira, outubro 04, 2011

Médico, ser superior

O doutor chega 45 minutos atrasado e se esconde no banheiro. Depois, entra na sua sala santa, seguido pela secretária prestativa e os dois confabulam durante alguns segundos. Ela sai, ele coloca o jaleco, confere alguns papéis e vem chamar o primeiro cliente: EU.
Enquanto tudo isso acontecia eu fiquei pensando se devia falar alguma coisa ou não. Ser chato ou besta? Mané ou mala?
Tentei olhar de maneira enigmática para ele, nem sorrindo, nem bravo. Quem sabe funciona?
Nada. Niente. Nem um "foi mal aê manu".
A consulta transcorreu normalmente. No final, ele preencheu meu pedido de ressarcimento, que eu cuidadosamente coloquei dentro do meu livro de 700 páginas (podia ter outros usos).
Já de pé, perguntei casualmente: Nesse período da noite o atraso é normal?
Ele respondeu: "É, o trânsito..."
Um pausa breve.
"...sempre tem quando eu venho do hospital."
Outra pausa, eu olhando para ele com a mesma cara.
"Sempre acontece se eu tenho de atender um paciente."
É. Pois é.
Tudo que eu fiz então foi dizer a palavra "certo" lentamente.
Apertamos as mãos, eu disse tchau, me virei e fui embora.
Tenho certeza que agora eu sou praticamente um monge.

segunda-feira, outubro 03, 2011

O limite do humor

A suspensão do Rafinha Bastos do CQC reavivou as discussões sobre o limite do humor (dele e do Danilo Gentili). De cara, preciso dizer que eu acredito no direito de fazer piada de (quase) tudo. A exceção é quando a piada incentiva o racismo e a intolerância.
Pelo que eu sei, South Park e Family Guy não chamam negros de macacos ou foram lenientes quanto ao estupro ou relativizaram o holocausto. Quando piadas polêmicas ocorreram, as personagens que as disseram foram retratadas como estúpidas.
Não me entendam mal, não tenho nenhuma intenção de cuspir regra aqui. Eu acho que o humor DEVE tratar dos temas polêmicos e não há fórmula pronta. Eles só pedem mais inteligência do que a dupla do CQC oferece. O South Park já fez alguns episódios polêmicos sobre os judeus. Neles, há personagens, contexto, história, sátira e caricatura. Não um sujeito disparando frases idiotas em um microfone.

quinta-feira, agosto 04, 2011

A razão do orgulho hétero ser uma vergonha

Resolvi escrever aqui minha opinião porque vejo pessoas que eu considero inteligentes achando legal São Paulo estabelecer o dia do orgulho heterossexual (assim, com minúscula mesmo).

Primeiro, os héteros não tem razão para ter orgulho de nada hoje. É o grupo mais forte, dominante e usa essa condição privilegiada para oprimir o outro grupo. Você, leitor, pode até não fazer isso, mas é a realidade das ruas. O grupo ao qual eu pertenço bate, apedreja e ofende. Todos os dias eu tenho medo que alguém que eu amo apanhe na rua.

O segundo ponto é mais importante. Qual o principal objetivo de um Dia do Orgulho? Você, que não tem preconceito e acha tudo isso uma bobagem precisa saber que há gente sofrendo na rua. Que toda semana alguém apanha porque é homossexual. Alguns anos atrás colocaram fogo em um índio. Negros ainda sofrem preconceito de verdade. Não é exagero, acontece mesmo.

Portanto, entenda o seguinte: estabelecer um dia do orgulho é uma ferramenta para tentar reduzir a opressão real de um grupo. É papo sério. Não sei se dá certo, mas eu respeito a tentativa.

Aí vem alguém e cria o dia do orgulho para um grupo dominante. E diz que todos têm o mesmo direito. Caro amigo, todos ainda NÃO têm o mesmo direito. Os brancos e héteros não sofrem discriminação. Não perdem empregos. Não apanham. Não são ridicularizados. Os negros ou gays sim, passam por tudo isso. A sociedade é desigual. Estamos tentando mudar isso.

Quando tudo isso mudar, aí sim podem criar o dia do branco, do hétero, do rico. Se você é branco, hétero ou rico, sinto muito. Torço para chegar o momento em que criar um dia para você não seja uma piada de mau gosto.

Um acréscimo importante: a justificativa dessa lei paulistana foi defender a moral e os bons costumes. É ou não é uma piada pronta?

segunda-feira, julho 11, 2011

Paramym

Paraty para mim foi uma daquelas viagens não programadas, que só aconteceu em decorrência de um convite simpático. Achei que era literária, mas vou te confessar, tanto fazia estar aqui ou em qualquer outra cidade histórica com uma prainha pra tomar cerveja. O que valeu mesmo foi a companhia.
Vi palestras, claro que vi. O Joe Sacco foi interessante e os três escritores brasileiros falando de ficção foi bem show, estou até agora encafifado com coisas que ouvi. A última acabou sendo o ultra-mega-bonachão-bonzinho João Ubaldo Ribeiro, eu até sequestrava pra ter um avô daqueles.
Teria outra, mas eu teria de sacrificar a última hora com a sapaiada e nenhuma dupla de escritores colombianos vale a troca.
Quem sabe na próxima eu assisto mais palestra? Nessa o que deu pra fazer mesmo é confirmar que a Sam e a Bobie são as pessoas mais incríveis que eu já conheci. Na vida. Sério.
Vou ficar contando os dias pra Flip 2012. Ou não.

segunda-feira, maio 30, 2011

A fria da Apple

5h47 - O sol acaba de nascer em Boston, Massachusetts. Apesar de ser meados de abril, não parece primavera e os moradores da cidade continuando reclamando do frio. A temperatura está pouco abaixo de zero grau, mas o vento piora bastante a situação. Levanto cedo na esperança de conseguir comprar um iPad 2, a mais nova coqueluche do mercado mundial de gadgets. Esta não é uma matéria sobre os recursos desses aparelhos, pesquise na web e você acha fácil informação. O foco aqui é: como uma empresa trata os consumidores que se interessaram em comprar um de seus produtos.
Antes de ir ao extremo de ir a loja tão cedo, eu até tentei seguir pelos caminhos normais. Como um consumidor moderno, entrei no site da Apple, onde informavam a variedade de tablets à disposição. Depois de um mês pensando se vale mesmo comprar aquele aparelhinho que não é notebook nem celular, decidi gastar o dinheiro. Somente no final da compra, o site informava que o aparelho só chegaria em casa cinco semanas depois. Ou mais. Agora, 90 dias depois de lançar, a Apple jura que consegue entregar em duas semanas. De qualquer forma, o problema não é novo, a empresa fez o mesmo no lançamento dos iPhones e no primeiro iPad. E eu que pensei que a produção just-in-time popularizada na década de 90 havia chegado a todas as empresas.
De qualquer forma, era tempo demais; eu voltaria ao Brasil em duas semanas.
Retornei aos hábitos de consumidor antigo e fui até uma loja. Era uma daquelas impressionantes lojas envidraçadas da Apple que lembram um enorme cubo de gelo. Como o aparelho, são feitas para deslumbrar os consumidores em busca de design e moda. Logo na entrada, um funcionário me explicou que não havia iPads disponíveis para venda, qualquer que fosse a configuração. Mas foi caridoso e revelou como se compra o objeto de desejo da ultramoderna Apple. “Todo dia recebemos, mas eles são vendidos antes mesmo das 10h, quando a loja abre”.
Fiquei sabendo que os consumidores se amontoam na porta antes das 7h e recebem uma senha. Podem comprar no máximo dois iPads, e muitos revendem o excedente, ou até os dois. Costumam ganhar US$ 100 em cima de cada tablet.
Neste momento, a maioria dos consumidores racionais já teria desistido de comprar um produto que na verdade não esta à venda. Também foi o meu caso. Mas por que eu me vi alguns dias depois vendo o sol nascer e passando frio na frente da loja da Apple? É porque resolvi passar pela experiência de um caso único de consumo e loucura coletiva americana. E depois contar para vocês.
Assim, cheguei naquela terça-feira na loja da Apple na Boylston Street, conhecida avenida de Boston. Uma fila com cerca de 40 pessoas esperava do lado de fora da loja da Apple. Eram 7h05 e algumas daquelas pessoas estavam ali havia horas. Alguns minutos depois o funcionário veio até a porta e informou que não haveria iPads disponíveis naquele dia. Mais de 40 dias já haviam se passado desde o lançamento oficial.
A maior parte do grupo dispersou, enquanto alguns candidatos a clientes se aglomeraram para falar com o funcionário, que sabiamente mantinha a porta apenas entreaberta. “O aparelho chega amanhã?” Ele respondia: “Sim, provavelmente. Não há como garantir”.
Há vários aspectos a abordar aqui: o porquê desse irrefreável desejo, qual a razão do cliente não esperar dois meses para receber o produto em casa, como uma empresa se arrisca a perder clientes ao invés simplesmente produzir mais (a resposta oficial da Apple é que eles simplesmente não conseguem, embora a maioria dos especialistas aposte em uma jogada de marketing para criar barulho no mercado).
Ao invés de insistir nesses pontos que exigiriam uma análise psicológica ou uma dose de imaginação, vou me ater ao modo como o cliente é efetivamente tratado pela empresa. O próprio Steve Jobs, considerado um gênio pela maioria do mercado de tecnologia, já adquiriu um histórico de responder mal a clientes. Ou com o que os clientes se importam: na semana seguinte a minha ida à loja da Apple, a mídia americana informava que a empresa da maçã mordida era a última no ranking verde de empresas de tecnologia. Steve Jobs pode ligar para as verdinhas, mas não muito para ser verde.
Sabendo que precisava ir até o fim para poder contar a história, voltei no dia seguinte à mesma loja. Graças a um táxi, cheguei ainda mais cedo. Eram 6h20. O taxista riu quando eu expliquei o que era aquela fila de 15 pessoas parada no frio na avenida Boylston, em Boston. Alguns minutos depois de eu entrar na fila, um bêbado passou repetindo: “iPad 2, iPad 2”. Mais tarde, uma mulher se aproximou e me perguntou do que se tratava aquilo. Eu respondi, ela agradeceu e se afastou com um sorriso incrédulo.
Os donos do primeiro e segundo lugares estavam sentados em cadeiras de praia. Logo atrás delas, quatro pessoas dormiam embaixo de cobertores (depois eu iria descobrir que eles estavam ali para revender os iPads e ganhar, em média, US$ 100). O resto estava na fila de pé, como consumidores (quase) normais.
Às 7h15 já eram mais de 40 pessoas na fila. Mais quinze minutos e o grupo somava 50 pessoas. O rapaz a minha frente era de Cingapura e estava ali porque já era um usuário do iPad 1. Nunca havia testado os produtos da concorrência, mas parecia seguro de que o iPad ainda era a melhor opção “pelo número de aplicações”.
Essa situação está mudando rapidamente. O iPad ainda lidera com quase 340 mil aplicações disponíveis e os concorrentes com Android oferecem 210 mil. Entretanto, estes têm mais aplicações gratuitas, crescem três vezes mais rápido e devem ultrapassar o iPad em aplicações até agosto (as informação são das empresas Distimo e Research2Guidance).
Se não há lógica, melhor apelar para a psicologia. Pensando no absurdo da cena, ficou claro que a Apple cria popstars. Da mesma forma que fãs de bandas se acotovelam na saída de shows ou porta de hotéis, sofrendo por um autógrafo, o iPad 2 é o astro tecnológico do momento. Aqueles eram seus fãs dispostos a qualquer coisa. Obviamente, nada racional. Mas o pior ainda não havia acontecido.
Às 7h35, uma funcionária da loja saiu e avisou a fila que não havia iPads para usuários da operadora celular AT&T. Um grupo começou a se afastar. A notícia era ruim para os usuários internacionais porque os iPads da AT&T são os únicos que aceitam sim cards, os chips que vão dentro dos celulares. Portanto, só havia iPads da operadora Verizon, que usa tecnologia CDMA (a mesma que a operadora Vivo usava antes) e não permite a inserção de chips.
Depois de falar sobre os iPads da Verizon a funcionária falou algo sobre Wi-fi, de onde os candidatos concluíram que valia a pena esperar para comprar um iPad sem 3G. Sobraram 35 pessoas.
Enfim, às 8h30 a mesma funcionária sai novamente distribuindo pequenos papéis. Era pegar um e voltar às 10 horas, quando a loja abria. Então, ainda na frente da fila, ela falou mais alto: “Mas eu disse que só tinha Verizon”. Alguns clientes saíram de trás da fila e rodearam a funcionária. “Não, não temos Wi-fi”, ela repetiu. Um cliente retrucou, nervoso: “Mas ninguém lá atrás ouviu você falando”.
Mais gente começou a ir embora, entre frustradas e irritadas. No fim, menos de 10 pessoas pegaram um senha, para voltar mais tarde e finalmente comprar o aparelho. Há uma loja em Nova York que fica aberta 24 horas por dia, mas a realidade no resto dos EUA é essa: cliente chega às 6h e a loja abre às 10h.
Achei uma loja de eletrônicos na mesma rua (aberta desde às 7h), onde perguntei quais os tablets disponíveis. Havia um Xoom, tablet quase do mesmo tamanho do iPad, mas fabricado pela Motorola (os fabricantes pronunciam “zum”, mas no Brasil o som da letra X pode fazer com que fique “chom” ou no máximo “chum”).
O iPad tem 9.7 polegadas, o Xoom tem 10.1. O sistema operacional do aparelhinho concorrente é o Android, da Google. Uma vantagem para mim e outros clientes, porque é o mesmo sistema operacional de diversos celulares e bastante amigável com os aplicativos do Google disponíveis no computador.
Em 15 minutos eu saía da loja com o Xoom em mãos. Em casa e na rua, me diverti acessando sites de informação e o Facebook. A qualidade da tela é excelente, o touch-screen idem e a navegação é boa (com exceção de alguns sites, que decepcionam. Espero que com o tempo melhore).
De volta ao Brasil, peguei um tablet da Samsung para testar, o Galaxy, com 7 polegadas (também com o sistema Android e produzido no Brasil). A fabricante coreana já avisou que até julho deve chegar ao Brasil um modelo com 10.1 polegas. E até agosto, outro modelo com 8.9.
A Apple resolveu adiantar a produção do iPad no Brasil e já começou a vender. Talvez a loucura coletiva não se repita, há menos brasileiros dispostos a loucuras por um produto da Apple. Só podemos esperar que a empresa descubra uma maneira de tratar melhor os consumidores. Apesar do Brasil ser um país tropical, há cidades em que as madrugadas de junho e julho são bem frias.

domingo, maio 29, 2011

Troca no Thor

… e o Thor é ok (in my opinion, como diria Will Gardner).
A história é boa, os efeitos são ótimos, as cenas de ação são legais, até acho que os atores funcionaram bem. Então qual o problema? Gente demais.
No Thor não tem subplot, tudo tem relação com o personagem principal. Acho que os roteiristas apostaram que não teria tédio porque há trocentos personagens. Ok, eu achei legal ver o Volstagg, Heimdall, etc. Mas precisava da Sif? Da mãe do Thor? Precisava de tanta gente? Quantos personagens tem no Iron Man?
O resultado é que mostraram muito e não mostraram nada. Alguém compra a transformação do herói em dois dias? Pense, ele chega na Terra e tudo se resolve no dia seguinte. Isso é o suficiente para um deus ficar humilde? Bem que podiam ter seguido a história original e ter feito ele passar uns anos na Terra usando uma bengala.
Troco 5 personagens por uma narrativa mais legal.

quarta-feira, abril 20, 2011

Different roads

One day you need to make that decision.
You have walked too long in your road and now it seems very comfortable. There are fewer stones and more pleasures. You start thinking it might be time to get into that another road alongside.
But that road has more holes, it´s steep and full of conflicts. It does not look so good. People respond to you that you never know that road unless you actually take it.
Who went by it swears it was the best decision of their lives. Nobody backs down. It seems to you that the real life is on the other road.
I follow my road while I keep thinking. The thing is: you can not have both. Once you choose, the road will charge its price.
I look forward, as someone says to me: Be assured, they will take you to very different places.